Por favor, não o levem a mal. Trata-se de um Pequeno Broche Sentimental. Desentranhado de uma k7 vídeo de gravação contínua da emissão do quinto aniversário da Rádio Universidade de Coimbra, 1 de Março de 1991. Brancas e blues à parte, a voz denota uma coloração esverdeada e o som aparece um tanto amarelecido. Razões de sobra para fugir.
há uma cor conjunta que atravessa a linha ténue da angústia
mas o gosto de converter o amor em extensões do nosso corpo
instiga a que se encontrem círculos
de caminhos em círculo
permanece
até ao próximo ciclo
CS
Ingredientes
The Stranglers – In the Shadows
The Doors – My Wild Love
Mler Ife Dada – L’ amour va toujours bien merci
Janita Salomé – Não é fácil o amor
Area – Il Massacro di Brandeburgo Numero Tre in Sol Maggiore
In questa società, per bene che ci vada, la vita è una noia sconfinata.
In questa società, nulla, assolutamente nulla, riguarda le donne.
Dunque, a tutte le donne che non hanno paura né delle responsabilità né delle emozioni sconvolgenti, non rimane che rovesciare il governo, eliminare il sistema monetario, istituire l’automazione completa e distruggere il sesso maschile.
Quem disse que o Natal era só prendas para os meninos bem comportados? E os outros? Os outros vão ouvir das boas desta personagem, Krampus de seu nome, que acompanha o Pai Natal com a missão de castigar os que não se portaram bem. Faz parte duma qualquer mitologia alpina, e ficava a matar nos centros comerciais. É só alguém descobrir uma fórmula para ajudar ao negócio.
Feito com:
Adeus e Aloha – The Portuguese Heritage of Hawai – Religious Song;
Public Image Ltd. – Religion I;
Alberto Y Lost Trios Paranoias – Jesus Wept;
Paddy Roberts – Merry Christmas You Suckers (exc.);
Tiny Tim – Santa Claus Has Got The AIDS This Year (exc.);
Ah! heróis do trabalho, que coisas raras fazeis!
Não sou um proletário vê-se logo
mas odeio cordialmente a gataria
e quanto a crocodilos, nem os do Jardim Zoológico
me atraem
quanto mais estes! E aqui é que começa o em-
bróglio… O pouco amor que eu tive à burguesia
deixei-o todo numa casa de passe
quando me perguntaram: quer assim ? Ou assim ?
E agora, era fatal, falto ao escritório,
falto ao escritório, pontualmente, todas as manhãs.
Louvor e Simplificação de Álvaro de Campos de Mário Cesariny de Vasconcelos
Feito com:
Jimi Hendrix – Turn The Tides… Gently Gently Away
Beirut –My Night With the Prostitute from Marseille
Este António Sérgio que não volta a fazer rádio foi tão importante para a minha geração como o outro António Sérgio, que escrevia livros, o foi para a sua.
Sei que isto para muitos será uma heresia. Mas quem o seguiu, desde os tempos da Rotação na RR, gravando programas inteiros nas velhas k7’s, única forma de ouvir a música que só ele passava em Portugal, e quem entenda que a música para nós ocupou o espaço dos ensaios, a comparação pode ser parva mas faz sentido.
António Sérgio abriu uma estrada de Lisboa a Londres e a Nova York que não existia, uma estrada com ligação directa às ruas de má fama, desviada de outros caminhos com passadeiras, os das todo poderosas editoras que moldavam o consumo da música moderna à maneira do negócio e da tacanhez, repetindo infindáveis Baby I Love You. Trazia canções que nos falavam de jovens urbanos chateados com o mundo, e era isso que nós também queríamos ter o direito a ser. Há uma revolução escondida nessas esquinas, obrigado por nos teres trazido decibéis dela.
Resta-me a consolação de saber que quando chegar ao inferno ele já lá estará a passar música. Pobre Diabo, a sua vida nunca vai ser a mesma.
Soltas:
Martin Rev – Whisper (excerto);
The The – Perfect 12”;
The Creatures – Miss the Girl;
Passions – Skin Deep 12”;
Art of Noise – Beat Box (excerto);
Theatre of Hate – Do You Believe In the West World;
Virgin Prunes – Baby Turns Blue;
Beatnigs – Television (The Drug of the Nation);
World Domination Enterprises – Jah Jah Call You;
Big Audio Dynamite – Much Worse 12”;
XTC – Nearly Africa;
Butthole Surfers – John E Smoke;
The Fall – Strychnine;
Dead Kennedys – Kill the Poor;
Shriekback – This Big Hush.
O conhecimento da música que fez este Endrominus foi obra do António Sérgio. Muitos dos seus achados deixámo-los por descobrir. Mas, é o que importa, ficou-nos o olfacto. Em grande parte a ele o devemos.
Texto e sua leitura – João José Cardoso (originariamente no Aventar)
De acordo com a página oficial das Ordens Honoríficas portuguesas, por razões que a razão dispensa, “Portugal orgulha-se de ter uma longa tradição na atribuição pelo Chefe de Estado de recompensas por serviços prestados ao País, revestindo a forma de condecorações.”
Em virtude dos irrefreáveis impulsos do progresso, “o sistema sofreu ao longo dos séculos uma natural evolução”, e por isso mesmo mantêm “algumas das actuais Ordens Honoríficas Portuguesas origem na Idade Média”.
A explicação existe: as ordens monástico-militares criadas a partir do século XII perderam, com o fim da Reconquista, a sua autonomia, passando no século XVI a depender exclusivamente da coroa. Com a extinção das ordens religiosas no século XIX, converteram-se, por inspiração napoleónica, em ordens assentes no mérito individual, puramente laicas e honoríficas. E com a implantação da República, em 1910, foram abolidas.
Mas com a Guerra ter-se-á verificado um fenómeno não incomum, do foro psico-sócio-estadual, que alguns observadores designam de “recuo sentimental da História”: as Ordens foram ressuscitadas em 1918, com a função de Grão-Mestre a ser atribuída, por inerência, ao Presidente da República. O que, depois de alguns engasgos em 1974, viria a ser corroborado pela Constituição da República Portuguesa.
A Lei Orgânica e o Regulamento das Ordens Honoríficas, de 1986, contagiados de medieval nostalgia, organizam hoje em dia o sistema, mantendo fidelidade às origens. Os laços de vassalagem, garantes de paz social, são fortalecidos anualmente no dia de Portugal, de Camões, da Tragédia Lusitana e das Comunidades Portuguesas, de modo a que o 10 de Junho não passe sem cão decorado agradecido.
As ordens honoríficas portuguesas, doravante humildemente despidas de maiúsculas para não ferir a vista, dividem-se em três grupos: as antigas ordens militares (ordem da torre e espada, do valor, lealdade e mérito; ordem de cristo; ordem de avis e ordem de sant’iago da espada), as ordens nacionais (ordem do infante d. henrique e ordem da liberdade) e as ordens de mérito civil (ordem do mérito, ordem da instrução pública e ordem do mérito agrícola, comercial e industrial). Cada uma tem como fim recompensar méritos excepcionalmente relevantes em várias áreas, desde logo a militar, ou destacados serviços em prol da pátria.
As ordens ordenam-se em graus. Por ordem ascendente, cavaleiro ou dama, oficial, comendador, grande-oficial e grã-cruz. Nas ordens de mérito civil, o grau de cavaleiro é substituído pela medalha. E nas ordens militares da torre e espada, do valor, lealdade e mérito, de sant’iago da espada e nas ordens do infante d. henrique e da liberdade há ainda um grau especial – o grande colar.
Não obstante a variedade de títulos, as ordens sofrem de numerus clausus: para lhes aceder não basta ser sócio do Benfica. É necessário que o presidente da república confira as vagas e emita o respectivo alvará, quer por iniciativa própria, quer por proposta do governo ou dos conselhos das ordens.
As vantagens em ser distinguido como membro de uma ordem são evidentes: para além do direito ao uso da insígnia, ganha-se posição no protocolo de estado, permitindo ocupar lugares em cerimónias públicas. No caso da ordem da capa e espada fica-se mesmo com acesso a uma pensão, mediante requerimento, igual ao salário mínimo nacional, e com a preferência, conferida ao agraciado ou herdeiros, no ingresso em certas instituições sociais geridas pelo estado. Quanto aos deveres, deve o ordenado, sob pena de procedimento disciplinar, regular o seu procedimento pelos ditames da virtude e da honra e defender Portugal em toda e qualquer circunstância, assim como obedecer às instruções e directivas da ordem a que pertence. Isto mesmo é assegurado mediante o preenchimento prévio de uma declaração, no acto da condecoração, e respectiva assinatura.
Por atrelado, caso desejem aceitar ou usar condecorações estrangeiras, os cidadãos nacionais precisam de autorização do governo português: é justo, porque a valia de qualquer português deve ser reconhecida pelo estado português. Este selo de autenticidade de mérito é tanto mais necessário quanto o estado mais facilmente reconhece como bom o que vem certificado de fora. Tanto assim é que foi preciso um nobel para que a mui excepcional grande coleira da ordem de sant’iago da espada fosse atribuída a saramago, antes modesto comendador.
E que dizer de miguel cadilhe, cavaco silva, marques mendes, durão barroso, mota amaral, vítor constâncio, almeida santos, armando vara, joão cravinho, vítor melícias, saraiva martins, carlos carvalhas, carlos brito, narana coissoró, jardim gonçalves, joe berardo, américo amorim, belmiro de azevedo, todos eles ungidos com a grã-cruz da ordem de cristo e/ou com a grã-cruz do infante d. henrique, por destacados serviços prestados a Portugal? Nada. A não ser perguntar “o que é Portugal”?…
Música (Portugal visto por forasteiros):
John Froman (EUA) – Portuguese Washerwoman;
Folkestra (Hungria) – Portugal Kálap (filmzene);
The (EC) Nudes (GB) – O Pastor;
Flying Lizards (GB) – Portugal;
Portugal. The Man (Alaska) – Bellies Are Full;
Durruti Column (GB) – Amigos em Portugal;
Graciano Saga (Portugal) – Vem Devagar Emigrante.
Texto e voz:
Pedro Lemos
Imagens:
Bois, vale do Loire, 2005 (Pedro Lemos)
Mutley, o cão obcecado por medalhas (Hanna Barbera)
Segundo o Expresso o “tema chama-se ‘ Sem Eira nem Beira’, mas não há ninguém que não o conheça por ‘Sr. Engenheiro’. É uma das faixas mais comentadas e cantadas na rua do último disco dos Xutos & Pontapés, lançado a 6 de Abril. Mas, nas rádios nacionais só passou uma vez, uma única vez. “
Adiante ainda ficamos a saber que “Nelson Cunha, director de programas da Mega FM, vai mais longe, explicando que a rádio “não está vocacionada para questões políticas, nem quer disso fazer bandeira. Os nossos princípios são de isenção musical e política”.
Mais longe fui eu, produzindo uma versão da musiquinha expurgada de palavrões, vulgo caralhadas, palavras capazes de ofender a susceptibilidade do ouvinte, e de porem em causa a isenção musical das nossas autocensuradas rádios nacionais, ou nacional-rádios, como preferirem.
Como não gosto de píiiiiiis, utilizei uma engenharia clássica conhecida na gíria por “o disco é que saltou”, utilizando sons genuinamente provenientes de um vinil. Fica à disposição dos interessados, que agora deixam de ter desculpa. Confirmem na letra, convenientemente expurgada das palavras “Senhor Engenheiro”, ai, socorro, como é que agora se apaga isto daqui?
Apesar dos pólenes, nunca me assoo em público quando chega a páscoa. É uma omissão de prudência perante o receio de cometer impropérios que desagradem a igreja, ciosa como é do seu património espiritual mundanamente adquirido. É que, em verdade vos digo, nestas celebradas ocasiões as possibilidades de ser acometido por pulsões heréticas triplicam. Descanso, no entanto, em saber que alguém infinitamente bom arcará com a minha culpa, por mais conspurcados que sejam os meus desígnios.
Pois a páscoa. Anualmente, a páscoa. Etimologicamente a passagem, a passagem do anjo da morte que dizimou os recém-nascidos no Egipto. A décima praga que poupou os rebentos de origem autenticada pelo povo escolhido. Pois que deus instruiu os hebreus para uma chacina de cordeiros cujo sangue serviria para marcar os umbrais das casas de cada família israelita. Assim o anjo poderia matar com critério, permitindo a fuga libertadora do povo escravizado. Primeira conclusão provisória: comemorar a pesach é enaltecer um duplo genocídio: a hecatombe dos cordeiros e o massacre dos primogénitos egípcios.
E que passagem comemoram nesta época os cristãos? A passagem do estado sólido para o estado gasoso do ungido. Depois de se deixar crucificar e morrer em nome da humanidade, forma canónica de expiação dos pecados, o mashiah (ungido, em hebraico) ascende aos céus e senta-se à direita de si mesmo, enquanto pai, e em unidade, três em um, com um espírito santo. Compreende-se e louva-se o esforço, mas não era preciso tanto. Os sacerdotes judeus obtinham o mesmo efeito judiando com um bode, a quem confessavam, cansativamente, as malvadezas acumuladas por todos, correndo com ele de seguida para o deserto onde era resgatado por um anjo caído. Uma espécie de envio à cobrança, e até para o ano à mesma hora, expiatório quanto bode. Já porém o christos (ungido, em grego) não delegava. Quis ele mesmo ser o cordeiro que tira os pecados do mundo, confrontando a humanidade com a sua inanidade. Mas a questão, a verdadeira, a una e indivisível, é que ninguém lhe encomendou o sermão. Embora estivessem mesmo a pedi-lo. Segunda conclusão provisória: a comemoração da páscoa cristã é mais uma culpabilização celebrante do que uma celebração desculpante.
Mas a coisa pegou de estaca. E não admira. A historieta, correspondendo a um arquétipo universal, é plagiada dos ritos pagãos da fertilidade, alinhados com o ciclo anual do sol. O sol, princípio gerador, é personificado por um jovem deus, concebido directamente no ventre de mãe virgem por obra de raios solares ou outros fenómenos luminosos, que morre e ressuscita todos os anos, de acordo com os ciclos vitais da natureza. Reis, imperadores e figurões de vária ordem reivindicaram ou eram tidos por ascendência imaculada, como Buda, Krishna, Confúcio ou Lao-Tsé. Osíris, Mitra, Baal, Odin, Adónis, Dioniso, Àtis, Shiva, entre outras, são divindades que morrem e ressuscitam com o propósito de salvar a humanidade. Terceira conclusão provisória: A sub-rogação divina nas responsabilidades terrenas é uma mama muito antiga.
De resto, a comemoração da efeméride de acordo com o ano astronómico, e não segundo a data da presumível ocorrência, confirma a origem pagã da efabulação pascoal. Com a absorção de toda a tralha mítica, as igrejas garantem o efeito integrador necessário à condução do rebanho, que cozinham em lume brando desde tempos imemoriais. E trincham.
Música:
Encomendação das almas, Ribeira de Pena, 1985, recolha de José Alberto Sardinha;
Igor Wakhevitch – Eau ardente;
Musica para a semana sagrada, Sicília;
The Tiger Lillies – Jesus;
People Like Us – Whistle song
Monty Python – Always look on the bright side of life;
180 DG’s on the Future – Christianity is stupid;
Nick Cave – Foi na cruz (excerto);
Ton Steine Sherben & Kollective Rote Ruebe – Liebe tod hysterie, choral;
Gavin Bryars/Tom Waits – Jesus blood never failed me yet;
Nick Cave & The Bad Seeds com Kylie Minogue, PJ Harvey, Anita Lane, Shane MacGowan – Death is not the end;
Aleluia, Tondela, 1988, recolha de José Sardinha;
Negativland – Christianity is stupid.
Foto:
– Who killed bambi, The Great Rock ‘n’ Roll Swindle, Sex Pistols
Numa altura da vida em que trabalhava na Figueira da Foz, e como tal via o mar quase todos os dias, tive um programa na Rádio Universidade a que chamei Vi um homem que viu outro que viu o mar.
O que se apresenta aqui é uma reconstituição alargada do seu indicativo, entretanto perdido numa k7 qualquer, que tinha como base um canto de alar redes recolhida por Giacometti “a bordo da Nicete, a 20 milhas de Portimão“, sobre a qual o ilustre musicólogo afirma ser “utilizado, ao que parece, apenas na pesca da sardinha”. Como existe um filme onde é cantado na pesca do atum fico na dúvida, e não será hoje que a esclareço. Os sons do mar pertencem ao caçador Bernie Krause, um homem que neste caso pescava com microfone. O Avanti Marinaio não fazia parte, mas apeteceu-me.
Tudo isto, não passa de uma desculpa fatela para informar que escrevo numa página, ou blogue como agora se diz, que tem o mesmo título, situação que se pode arrastar por algum tempo, embora existam fundadas esperanças de que aborte rapidamente.
A foto foi roubada a um caramelo que me gamou o provérbio, sobre o qual tenho direitos inalienáveis de autoria, e a quem só não processo por saber que o gajo tem filhos para criar.
Sons:
A Gift from te Sea – Bernie Krause, in Notes From the Wild
Leva, Leva! – Michel Giacometti, F. Lopes-Graça, recolhas
Salvem os ricos (Contemporâneos + uns tipos) via arrastão
“Chegou a crise
Não há razão para temer
É que nesta crise
O Teixeira dos Santos vai-nos proteger
Mas neste Mundo injusto
O dinheiro está garantido
Para o pobre, o remediado
E o sem-abrigo
Mas pensa naqueles,
Os multimilionários
Ficaram sem bancos
E sem chorudos salários
E sem direito a indemnizações
Têm de pedir o aval
À sopa dos pobres dos ricos
O Banco de Portugal
O desespero tomou conta
De toda a Quinta da Marinha
Em vez de lavagante
Comem lambujinha
E vão ter de abandonar
O Conselho de Estado
O quadro do Miró
Foi penhorado
Porque esse Portugal
Já não é neo-liberal
Saberão que estamos no Natal!
O suprime limpou-lhes muitos milhões
A polícia trata-os como aldrabões
Saberão que estamos no Natal!
Salvem os ricos
Salvem os ricos
Salvem os ricos
Ajudem os milionários
Salvem os ricos
Ajudem os milionários “
Eu achava que o nosso postal de Boa Crise Bom Natal era o máximo que se podia fazer nesta quadra. Como as quadras acima demonstram era sempre possível fazer melhor nesta quadra (duas quadras numa frase será um octeto?), embora nestas merdas um gajo se roa (roer? lamber era mais suave) de inveja, um dos meus pecados favoritos.
Fica a cereja (cereja? podia ser uma ginja) em cima do bolo (aliás, pudim).
Aqui no Endrominus não nos compadecemos com ritos pedófilos. Havia por isso que despachar o natal, uma das mais acrisoladas endrominices dos tempos presentes. Com ou sem estes instrumentos de permuta delapidatória, apreciem então, piedosamente, a lapidação que se segue.
Merry Crise’mas!
Assim: O pai natal não paga as rendas, as renas são penhoradas e o amor ao próximo vacila. As prendas, envergonhadas, embrulham-se em créditos incobráveis despejados em paraísos terrenos profícuos. Têm como laçarotes as políticas laborais de solidariedade com os despedimentos facultativos. Montras de consolas deixam crianças inconsoláveis e os pais depressivos. Consoante a consoada, a família nutre-se de piedosa fraternidade ou de odienta piedade. As missas ficam às moscas. A fé inabalável nos enredos do mercado é substituída pela nacionalização do Menino Jesus. E legalizam de vez a Maria!
Música (por ordem de falência):
Jon Rose (Austrália) – Packaging/No Service Alarm Sequence;
Bela Fleck & The Flecktones/Avan-ool Sam (NY/Tuva), – Jingle Bells reprise
Current 93 (Reino Unido) – Christus, Christus
The Residents (Califórnia) – Dumbo, the Clown Who Loved Christmas
Lou Monte (América italiana) – Dominic, the Italian Christmas Donkey
Wobbly (EUA) – Christian Music
Xao Seffcheque & Die Pest (Alemanha) – Sternhagel (exc.)
Sonic Youth/William Burroughs (USA) – The Priest, They Call Him (exc.)
Manuela Lema Sanchez (Galiza) – O Neñino (Recolha Alan Lomax)
Intérprete não identificado (Rio Maior) – Ó Meu Menino Jesus (Recolha Giacometti/Lopes Graça)
Jingles comerciais e separadores:
Spike Jones, Sting, Pastorinhos Eslavos Não Identificados, Emilio Cao, Jon Rose
Maldoror era um extremo que transformava cantos directos…
Texto:
Isidore Ducasse, conde de Lautréamont
Música:
– Nurse With Wound – Chance Meeting on a Dissecting Table of a Sweing Machine and an Umbrella (exc.)
– Mão Morta – O Herói (pt. 1)
– Current 93 – Ach Golgota (Maldoror Is Dead)
– Mão Morta – A Porcaria
– Wittinger – Sequentia Diabólica (Maldoror Requiem)
– Maldoror Collective – The Modernist Matador Manson
– Mão Morta – O Sonho
Uigures, Ouigures, um pequeno povo que habita o chamado Xinjiang-Uigur, e levou com a República Popular da China em cima. Querem saber mais? Googlem. Querem informação decente e em português sobre o Império do Meio? Leiam o José Carlos Matias.
Querem perceber porque lhes dedico um programa? Ouçam…
Música:
Appangzida Barat way
Primavera Branca
Janam quis
Gulyar
Sirilma de Zil Bayawan
Texto:
Citações do Presidente Mao Tsetung, Edições em Línguas Estrangeiras, Pequim 1972
só faço isto uma vez por ano, nem tenho
feito
mas juro que com este alinhamento ia mesmo lá festival deverão
com um bocadinho mais ou menos de pó que fosse.
ia mesmo, todo varão e fôda-se, mesmo que o jimi não viesse ia ser
acredito e
é verdade que ando nisto há 30 anos a dizer isto, mas o alinhamento de cada ano, só o faço uma vez por ano, juro,
Mix:
• Absolutely Live, Jim Morrison e umas portas
• Sigur Rós-Gobbledigook
• The Dodos – Fools
• Radar Kadafi – 40º à Sombra
• Carla Bruni – Little Things (Ces Petits Riens)
“Excelente programa, este”, pensou enquanto aliviava a comichão no braço. “Realização, genial; apresentação, superior!”, e coçou o pescoço. “Sobretudo o tipo que está agora a palrar é incrível!”. O prurido chegou à virilha. “Nunca ouvi argumento tão bem engendrado, e textos assim são raríssimos: com que frequência se pode apreciar criações verdadeiramente inteligentes como esta?”. Depois de deixar em sangue os calcanhares, esfregou, irritado, a barriga. “Sinto nojo só de pensar nesses dejectos esparsos que entopem o éter, provenientes das mais frequentadas cloacas, autênticos atentados à saúde mental a que têm o arrojo de chamar programas de rádio…”. E prosseguiu, dilacerando com as unhas os músculos abdominais: “Como comparar semelhantes excrementos a obras de arte assim, onde o humor penetrante escarnece da caralhada? Onde a graça fácil cede lugar à piada grácil? “Estimados ouvintes, quantas batatatatatas leva uma metralhadora???” “Eh, uh, ah!”, riu-se, desfiando o intestino delgado, sem parar de se coçar até ao estômago. “Porra, esta foi das melhores que já ouvi em toda a minha vida!”, exclamou desesperado, enquanto desmontava as rótulas, “E fora com os tomates, chiça!”, assim como os pulmões, o fígado, os olhos, os rins… “Estes gajos são mesmo engraçados!”… o coração, o baço, as omoplatas, a língua … “E o que é mais esquisito é que esta merda é possível!” … e quando só restava o cérebro, coçou-se ficticiamente nos comprimidos para dormir, no crucifixo, no xilofone, no teclado do aspirador, nas bolachas de água e sal, nas trompas de falópio, nos sete rios, nas gripes e constipações, na memória de um canário, na sua ablação completa e bem sucedida, na sua projecção radiofónica restante, no fim deste programa.
Música:
Samla Mammas Mana (Suécia) – Circus apparatha;
Mami Chan Band (França/Japão/Inglaterra) – La valse;
“Isto nunca esteve pior? Eu não vejo é ninguém a pedir para morrer!… Pelo contrário, andam por cá e parece que gostam! Mas se houver quem peça, é da essência da democracia respeitar a vontade popular. Por muito que em certos momentos possa parecer o contrário, verifica-se, postumamente, que o povo tem sempre razão…”
Misturada:
• Unknown Artists – Madame Foyer;
• Madlib, The Beat Conducta (USA) – Fifth chant;
• Los Machucambos (Costa Rica) – Pepito;
• Cosmic Wurst (França) – The voice of we do;
• Carlos Alberto Moniz e Maria do Amparo (Portugal) – Companheiro Vasco (exc.);
• Wolfram Huschke (Alemanha) – Cellaugh;
• Heckle & Jeckle (USA);
• Les Tueurs de la Lune de Miel (França) – Oh, Carol!;
• Proibidão (Brasil): Comando Vermelho;
• Mão Morta (Portugal) – Budapeste/Atentado no metropolitano;
• People Like Us (Inglaterra) – Beat de “do or DIY megamixthron 06”;
• The Residents (USA) – Birthday boy (exc.);
• Tappa Zukie (Jamaica) – Revolution (exc.).
Extraída de uma amostra de um órgão casio, a linha de baixo mais copiada do mundo. Pelo menos, a linha de baixo extraída de uma amostra de um órgão casio mais copiada do mundo.
é como me tentam fazer sentir e viver desde 1 de Janeiro de 2008. Quando acendo um cigarro. Quando limpo o cachimbo. Os fundamentalistas do vício privado e das públicas virtudes. Os poluidores que não pagam e acham que pago o cancro deles mas não paguei o meu. Os do costume.
Mix de animais e chuva: audio podcast para fumadores e não-fumadores não fundamentalistas…
David Fanshawe – Rain Song of Latigo Otengo (Uganda)
Pink Floyd – Several Species of Small Furry Animals Gathered Together in a Cave and Grooving with a Pict
Brian Eno & Robert Wyatt – Flies (Plague Songs)
David Fanshawe – Zande Song of Flight and Frogs (Sudan)
Francisco Vagido à última linha estava despedido.
Maria da Conceição disseram-lhe por escrito perdeu a pensão.
António Mateus leu e releu mas não percebeu.
Isabel Nunes andava tão farta e nem uma carta…
Otília Martins e demais pessoal no olho da rua por edital.
Marco Beleza recebe envelopes por debaixo da mesa.
Tété Ribeiro abriu uma carta suspeita – do patrão? – caiu no chão e teve a sua menstruação
(para o padre Sevícias foram boas notícias).
Zé Maria carteiro amanhã apeado a tempo inteiro.
Belmiro Ingente estava mais remetente.
Virgínia de cama confirma pelo correio como ainda se chama.
Nuno Morais morreu a lamber selos postais.
Manuel Amaral – já não é mau – enquanto pode flexigura-se ao pau.
Música:
Steve Beresford (Inglaterra) – Outside in (separador)
Alberto Ribeiro (Portugal) – Marco do correio (enxerto)
Ketty Lester (Usa)– Love letters
I Ribelli (Itália) – Pugni chiusi
General Strike (Steve Beresford/David Toop) – Guided missiles
Kalahari Surfers (África do Sul) – Song for Magnus (These boots are made for walking)
Textos, voz, foto (Picadilly, Londres): Pedro Lemos
O senhor desculpe, viu por aí a minha dílar? É que isto das leis de mercado é como se sabe, uma dor de cabeça
Eu sei que ela já não aparece às segundas feiras, cá em casa.
Tenho de encontrar a tipa sei lá aonde, entre tantas casas iguaizinhas…
O que um homem faz para apascentar os vícios…
Little Boxes – Las Casitas del Barrio Alto – Petites Boîtes:
Nara Leão
Victor Jara
Greame Allwright
Elvis Costello
Regina Spektor
Malvina Reynolds
Kate & Anna McGarrigle
Charles Bernett
Angélique Kidjo
Jody Bateman
(Obrigado Raquel pela deixa dos versos do Jody Bateman)
. Little boxes on the hillside,
Little boxes made of ticky-tacky,
Little boxes, little boxes,
Little boxes, all the same.
There’s a green one and a pink one
And a blue one and a yellow one
And they’re all made out of ticky-tacky
And they all look just the same.
. And the people in the houses
All go to the university,
And they all get put in boxes,
Little boxes, all the same.
And there’s doctors and there’s lawyers
And business executives,
And they’re all made out of ticky-tacky
And they all look just the same.
. And they all play on the golf-course,
And drink their Martini dry,
And they all have pretty children,
And the children go to school.
And the children go to summer camp
And then to the university,
And they all get put in boxes
And they all come out the same.
. And the boys go into business,
And marry, and raise a family,
And they all get put in boxes,
Little boxes, all the same.
There’s a green one and a pink one
And a blue one and a yellow one
And they’re all made out of ticky-tacky
And they all look just the same.
e de Jody Bateman
Politicians, politicians
Politicans making promises
Politicians, politicians
Politicians all the same
There’s republicans and there’s democrats
And there’s liberals and conservatives
And they’re all made out of ticky-tacky
And they all sound just the same.
O que é que faz o aleatório de um leitor de mp3 abrir “esta cidade” quando o comboio atravessa o Mondego e pára em Coimbra-B?
Porque é que este poema, de João Gentil que é de Lisboa, foi associado duas vezes no último ano a Coimbra?
O que é que eu tenho a ver com isso, que até ando distraído e logo até de bem com a minha cidade?
Era uma vez uma história muito mal contada. Primeiro aparecia o fim, depois o princípio e o meio estava cheio de erros: não explicava se o mau era mau de nascença ou se foi uma paralisia infantil; dava o dito por não dito e redizia o desdito; passava por cima da meta e chegava à narrativa primeiro; atropelava as personagens e fugia para um quartel de bombeiros. E não tinha cheiro, como o cão da piada alemã que matava quem a ouvisse. Por isso essa história foi contada do avesso para ver se conseguia fazer-se ouvir como deve ser.
“Mas uma história não tem querer!” disse a menina ao ouvi-la, “tem o querer de quem a conta e o querer de quem a ouve, mas sozinha não se aguenta.” “E uma história é contada para ser ouvida ou porque não há outra maneira, meu pudinzinho de banana? Ah, ah, ah, espera aí que eu vou-te comer”. Disse a história. E ficou o caldo entornado! Será que tínhamos ouvido mal? Não, não, que todos ouvíramos muito bem, que se tinha tratado claramente de uma tentativa de acto sexual com menor, que pudinzinho de banana é sexo explícito, que até nós nos lambemos, que é preciso por ordem na feira e moral na estrebaria e por isso vai tudo dentro!
Assim, sem julgamento, defesa, recurso e até pernas para andar, a história parou. Parou para reflectir. “Ora esta é muito boa… Sabem o que vos digo? Viver para aprender. Eu devia era ter abreviado e deixar-me de ameaças… Vou-te comer para aqui, ah, ah, ah, para acolá…! Tantos anos nisto… Os anais é que têm razão… Que vulgaridade, vou-te comer… … Espera. Mas eu disse “Vou-te comer”!!! E não “vou comer-te”! Vou-te comer, exclamação! Vou comer-te, reticências… Vou comer-te… as papas na cabeça, vou comer-te… em cima de um prato de agrafos, vou comer-te … esse rabo. Agora, vou-te comer… toda! E ponto final…
E com esta acareação denotativa de qualidade duvidosa a história endrominou os juízes, e os juízes rosnaram que podia não ser pedófila mas era antropófaga, e a história disse que não era sequer carnívora, e que as histórias, como entidades abstractas, alimentam-se de imaginações e figuras de estilo, e que comer criancinhas era coisa de comunistas, e os juízes, para a tramar, perguntaram-lhe a filiação partidária e a história disse que era da direita liberal mas moderada ao centro, e inimputável por definição, quer dizer, como história, onde já se viu uma história ser condenada pela lei dos homens, e os juízes, “então e mais nada?”, e a história, “não.”, e os juízes, “mesmo mais nada, nada, nada?”, e a história, “não, já disse!”, e vai os juízes, “então és uma história sem moral e com esta te lixamos”.
Música:
– John Cage (EUA) – Sonatas XIV e XV Gemini para piano preparado;
– Gabin Dabiré (Burkina Faso) – Kalé;
– Boris Kovac (Sérvia) – Sacred Millstone;
– Ena Pá 2000 (Portugal) – Canção de Embalar;
– Giovanni Girolamo Kapsberger/Rolf Lislevand (Itália/Noruega) – Colasione;
– Accordion Tribe (Eslovénia, Finlândia, Suécia, Áustria) – Encore Deux W;